Morreu aos 66 anos Ana Luísa Amaral. A poetisa portuguesa lutava contra um cancro. A cerimónia fúnebre está marcada para domingo no Tanatório de Matosinhos.
Ana Luísa Amaral era professora universitária na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e investigadora na área dos estudos feministas e queer. A poetisa recebeu a Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Matosinhos e a Medalha de Ouro da Câmara Municipal do Porto, por serviços à literatura e a Medaille de la Ville de Paris. Morreu na sexta-feira, aos 66 anos, Ana Luísa Amaral. A poetisa portuguesa lutava contra um cancro.
Autora premiada e traduzida em várias línguas, poeta, professora universitária, tradutora, nasceu em Lisboa em 1956, mas vive em Leça da Palmeira desde os 9 ...
Há um belíssimo documentário, aliás, não é um documentário, é um poema em filme, que é do Patricio Guzmán, aquele cineasta chileno, que se chama "Nostalgia de la luz" que é lindíssimo. A determinado momento diz-se mais ou menos isto que eu estou a dizer, mas de uma forma mais científica: uma pessoa ligada à química explica que o cálcio que existe nos nossos ossos é o cálcio que existe nas estrelas, é o cálcio que existe no universo. O mesmo cálcio - é extraordinário. Portanto, esta cisão que temos vindo a provocar entre nós e a natureza está a virar-se contra nós. Quero dizer, este tempo desgraçado, as mudanças climáticas, tudo isto está a virar-se contra nós. Quando tudo devia estar, de alguma forma, em harmonia. A partir do momento em que os vários feminismos põem isto em causa, o que acontece é que há reações, e os homens reagem, pois claro. O que acontece é que o nosso sistema, que é patriarcal, de alguma forma tentou mostrar, ou provar, até por teorias, a dominação masculina. Porque as combinações que se fazem com as palavras são infinitas, também. Repare, nós temos esta coisa que é extraordinária: o nosso alfabeto é o mesmo, e as palavras a mesma coisa. Por isso é que continuamos a comover-nos. O feminismo não é contra os homens, e é importante que isto seja dito desta maneira. E o que é maravilhoso é isso. Não conheço nenhum outro poeta que tenha falado do horror, da tragédia que é a desigualdade tremenda entre as pessoas como ele: “Some are born to sweet delight// Some are born do endless night”, “Alguns nascem para doces delícias// Alguns nascem para a noite sem fim.” “Noite sem fim” é uma coisa extraordinária. E é verdade, algumas pessoas nascem para a noite sem fim. Ou seja, quando escrevo não penso como é que tenho que escrever. Um polícia não me diz assim: “a senhora cometeu uma subversão”, diz-me: “a senhora cometeu uma transgressão”. Porque a transgressão é um rompimento das normas às claras, de uma forma aberta, ao passo que a subversão é construir sob, debaixo, não é?, uma versão subterrânea. Então, e isto é a minha opinião, no caso da subversão em vez da explosão temos a implosão, implode por dentro. É muito engraçado, ela vai de resto a uma consulta, porque tem problemas de visão e vai a uma consulta em Boston, e é consultada através de um tabique, portanto o médico não a vê. Ela diz-lhe o que é que sente, quais são os problemas, e o médico do outro lado faz-lhe o diagnóstico.
Ana Luísa Amaral nasceu em Lisboa, em abril de 1956, e vivia em Leça da Palmeira, Matosinhos, desde a infância. Estudou Literatura, fez um doutoramento na ...
Sempre". "A poesia não tem de ter mensagem nenhuma", disse Ana Luís Amaral à Lusa, em outubro do ano passado, para explicar que, na sua poesia não reconhecia necessariamente uma voz, já que a sabia composta de "vozes diferentes", mas sim uma "tonalidade", que "tem a ver, talvez, até com intensidade", de novo e sempre "a paixão pela língua e pelo que os outros escreveram", porque "todo o escritor é um leitor. "Quando estamos muito apaixonados por alguém, queremos conhecer muito bem a pessoa, saber tudo sobre essa pessoa. Essa é a primeira exigência de um tradutor", assegurou. Entre um poema e o outro, afirmou-se "uma voz genuinamente original", como disse o professor Arnaldo Saraiva, logo perante os primeiros testemunhos da jovem docente de Literatura da Universidade do Porto, uma voz que ganhou de imediato uma "rápida e espantosa internacionalização", justificada pela importância da sua expressão, como destaca a investigadora Maria Irene Ramalho, no posfácio a "O Olhar Diagonal das Coisas", volume de mais de 1.300 páginas, publicado este ano, com a obra poética da escritora. A obra de Ana Luísa Amaral testemunha a sua "imensa paixão" pela palavra, pela poesia, pela língua, um trabalho de "prazer, angústia e necessidade", como disse à agência Lusa, no ano passado, quando recebeu o Prémio Rainha Sofia.
Essa paixão marca a sua escrita, "uma 'voz feminista' empenhada em reinventar a tradição", escreve Maria Irene Ramalho. "Enquanto mulher-poeta, Ana Luísa Amaral ...
(...) É o quotidiano, as coisas pequeníssimas do quotidiano, mas também é o buraco negro", disse Ana Luísa Amaral sobre a sua própria poesia. "No 'Mundo' cabe tudo", disse Ana Luísa Amaral à Lusa, quando da edição do seu derradeiro livro. Sempre". No derradeiro poema, do último livro, "Mundos Depois", encontra-se perante a lápide de uma sepultura, na Nova Inglaterra -- a Nova Inglaterra de Emily Dickinson e a sepultura de um casal de há mais de 200 anos --, onde um verso de Thomas Gray os une ("até que o tempo remova, com a vida, toda a dor"). "O que será, será", "whatever will be, will be", escreve Ana Luísa Amaral, atribuindo o sussurro à mulher, deitada "em preguiça feliz, pelo calor de um corpo amado." Do seu último livro, disse à Lusa ser "uma espécie de glorificação, sim, da vida". "Mesmo no desconcerto que é o mundo, mesmo no horror que existe no mundo, mesmo na crueldade que existe no mundo, estar vivo é, como dizia Dickinson, Poder -- com maiúscula". "Quando estamos muito apaixonados por alguém, queremos conhecer muito bem a pessoa, saber tudo sobre essa pessoa. No primeiro poema, "Terra de Ninguém", requer "espaço ou uma receita qualquer", "um espaço a sério", porque não lhe chega "o conquistado à custa de silêncios". "A poesia não tem de ter mensagem nenhuma", disse Ana Luís Amaral à Lusa, em outubro do ano passado, para explicar que, na sua poesia não reconhecia necessariamente uma voz, já que a sabia composta de "vozes diferentes", mas sim uma "tonalidade", que "tem a ver, talvez, até com intensidade", de novo e sempre "a paixão pela língua e pelo que os outros escreveram", porque "todo o escritor é um leitor. Essa é a primeira exigência de um tradutor", assegurou. "Ana Luísa Amaral mostra real prazer em escrever ao longo de toda a sua obra", desde "Coisas de Partir" (1993), até ao derradeiro livro de originais "Mundo" (2021), desafiando modelos, formas populares e clássicas, da redondilha ao soneto, que dizia "querer-se molhado, como o pão de ló", especifica Maria Irene Ramalho. A obra de Ana Luísa Amaral testemunha a sua "imensa paixão" pela palavra, pela poesia, pela língua, um trabalho de "prazer, angústia e necessidade", como disse à agência Lusa, no ano passado, quando recebeu o Prémio Rainha Sofia. Soma perto de duas dezenas de livros de poemas, publicados entre 1990 e 2021, com títulos como "Epopeias", "E Muitos os Caminhos", "Às Vezes o Paraíso", "A arte de ser tigre", "A génese do amor", "Entre dois rios e outras noites", "Vozes", "Escuro", "What's in a name", "Ágora".
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou hoje a morte de Ana Luísa Amaral, uma escritora "veementemente do seu tempo", destacando a ...
Marcelo Rebelo de Sousa destacou ainda a carreira universitária da escritora, na Universidade do Porto, e a intervenção cívica, com a tese sobre Dickinson, os ensaios sobre as “Novas Cartas Portuguesas”, o “Dicionário de Crítica Feminista”, bem como “o empenhamento em causas culturais, sociais e políticas”. Lamentando “com grande pesar” a morte da escritora, o Presidente da República lembrou que, em abril, Ana Luísa Amaral foi condecorada com o grau de Comendador da Ordem de Sant’Iago da Espada e que a entrega das insígnias estava prevista para a abertura da Feira do Livro do Porto, no final deste mês, “onde seria, e será, homenageada”. Numa nota publicada na página oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que entre a primeira “poesia reunida” de Ana Luísa Amaral, publicada em 2005, e a segunda, em 2010, “tornou-se claro que nenhum roteiro da poesia portuguesa das últimas décadas ficava completo sem Ana Luísa Amaral, não pelas semelhanças com outros, mas pelas singularidades: determinada temática, determinada imagética, e uma certa toada, melódica e dissonante, tocante e irónica”.